O ovo era um monstro, com direito a capa sensacionalista da Veja. Agora o ovo é bacana, mas não muito. E daí era a farinha branca. E o glúten. E a lactose. E a gordura…. Ah, a coitada gordura! Foi taxada de demônio em forma de gostosura suculenta na grelha do churrasco. Agora descobriram que passamos anos nos privando da linguiça gordurosa por conta de um lobby da indústria do açúcar, que é um vilão muito pior. Parece episódio de Porta dos Fundos, mas é só a nossa dieta mesmo. A gente ouve tudo que falam em todas as mídias e já entramos em desespero com o que vai fazer mal e o que vai nos salvar de um câncer daqui a 50 anos.
Estamos em 2016, e já estamos escolados. Não adianta acreditar em tudo que compartilham no Facebook, e bom mesmo é comer tudo orgânico, preparar a comida em casa, comprar tudo que você precisa na feira. Fácil, saudável, tudo bem lindo e meio hipster. Mas daí você pesquisa mais, e começa a descobrir que nem tudo na mesa da Bela Gil são só flores e colesterol bom.
Li um artigo recente que destrincha as ‘modinhas alimentícias’, e a coisa não é nada bonita. Sabe a quinoa que você incorporou nas tuas receitas porque faz super bem? Pois é, esse grãozinho inocente fez fama no mundo inteiro, e por conta disso o preço subiu tanto que ela não é mais acessível aos indígenas andinos, que são os descobridores da própria. É tipo tirar o arroz do japonês. O avocado, aquele abacatinho ótimo para fazer guacamole, ficou tão interessante comercialmente que área enormes de floresta nativa estão sendo devastadas para dar lugar a plantações, animais estão morrendo de desidratação, e a criminalidade aumentou. Coisas parecidas surgiram também na pacífica Nova Zelândia. É a gentrificação da comida.

Os problemas vão aparecendo cada vez mais. Teve já todo aquele bafafá por conta da água mineral, tanto no Brasil quanto no Canadá. A carne vermelha sempre foi motivo de discórdia por conta dos impactos ambientais graves, mas agora já aparecem estudos dizendo que ser vegetariano não é tão melhor nessa questão. Até a ayahuasca, aquele cipó que vira chá alucinógeno em rituais xamânicos andinos, caiu nas graças do público pseudo-místico e, por conta da demanda crescente, a planta tem sido cada vez mais difícil de se encontrar, os preços foram parar na lua, e o chá começou a seguir pelo caminho da marginalização que ocorreu com a cocaína no século passado (a folha de coca era só um fitoterápico usado pelos incas para combater o mal-estar ligado à altitude).
Katia Cega que o diga, não está sendo nada fácil viver. Eu sempre acreditei que todos os nossos hábitos de consumo são atos políticos. Escolher comprar qualquer coisa em uma megastore multinacional, ou no produtor local que vende na esquina é uma decisão com impacto enorme no desenvolvimento da sociedade. Mas quando começo a ler essas histórias, e percebo que até aquela inocente frutinha do teu café-da-manhã vem cheia de conseqüências terríveis, fico perdido. É quase impossível consumir qualquer coisa hoje que não tenha o mínimo impacto negativo em alguma esfera. Então para onde correr? Eu sinceramente não sei. Minha pergunta é real, não retórica. Se alguém souber me responder, eu vou ficar muito agradecido.
Enquanto isso, eu fico aqui na minha ignorância, seguindo a máxima que se aplica para à dieta equilibrada, mas que pode ser uma boa para tentar proteger os ecossistemas do mundo: comer de tudo um pouco, e muito de nada. Diversidade nunca é uma má ideia.
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