Festas populares no Brasil para viver com crianças

Quando a cultura acontece na rua e a infância entende antes da gente

Eu sempre amei organizar minhas viagens ao redor de festivais e festas. Por muito tempo, isso significou atravessar oceanos, montar roteiros em torno de datas específicas, viver calendários culturais fora do Brasil. A tal da gringolândia.

Nos últimos anos, porém, algo mudou. Talvez por ter duas crianças e perceber o quanto viajar internacionalmente ficou mais caro — financeiramente, energeticamente, logisticamente. Talvez por um movimento mais silencioso de retorno às raízes. O fato é que cresceu em mim uma vontade enorme de explorar as festas populares brasileiras.

Não como turista apressada, mas como quem quer viver a cultura acontecendo, no tempo dela, com crianças por perto. Algumas dessas festas eu já vivi. Outras ainda não — estão na minha wishlist. Mas todas me atravessaram de algum jeito durante essa pesquisa recente, e é essa curadoria, ainda em movimento, que compartilho aqui.

Há um tipo de viagem que não começa no deslocamento nem termina na volta para casa. Ela acontece quando a cultura deixa de ser algo para observar à distância e passa a ser algo que atravessa o corpo. No Brasil, muitas dessas experiências acontecem nas festas populares — quando a rua vira palco, a música vira guia e o tempo desacelera sem pedir licença.

Com crianças, isso fica ainda mais evidente. Elas não precisam de contexto histórico nem de mediação elaborada. Entram pelo som, pela cor, pelo ritmo repetido. O que para o adulto é “tradição”, para a criança é presença.

Mas viver festas populares com crianças exige escolhas. Não dá para viver tudo, nem do mesmo jeito. Às vezes, é preciso recortar, observar de longe, chegar cedo, ir embora antes. Não para diminuir a experiência — mas para torná-la possível.

Bumba Meu Boi: o boi que anda, dança e conta histórias

Onde: São Luís, Alcântara e cidades do interior do Maranhão
Quando: junho e julho
Onde ficar: bairros centrais de São Luís ou cidades menores próximas aos arraiais

No Maranhão, durante os meses de junho e julho, o Bumba Meu Boi toma São Luís, Alcântara e muitas cidades do interior. Para uma criança, é difícil competir com aquilo: um boi colorido que dança, personagens exagerados, música repetitiva que gruda no corpo.

Não é preciso acompanhar apresentações madrugada adentro. Ir a um arraial no início da noite já é suficiente para que a criança entenda — sem entender — que ali existe uma história sendo contada coletivamente. Ficar nas laterais, observar os detalhes das roupas, ouvir os instrumentos de perto costuma ser mais marcante do que “ver tudo”.

O boi não é espetáculo. Ele circula. E a criança acompanha.

Folia de Reis: quando a música entra na casa

Onde: interior de São Paulo, Minas Gerais e Goiás (ex.: São Luiz do Paraitinga, cidades históricas de MG, Pirenópolis)
Quando: final de dezembro a início de janeiro
Onde ficar: pousadas pequenas ou casas no centro histórico

Em janeiro, em cidades do interior de São Paulo, Minas Gerais ou Goiás, a Folia de Reis ainda acontece como visita. Não é festa de multidão. É música que entra na casa, gente que chega, canta, conversa, come.

Para crianças, é uma experiência de outro tempo. Elas observam os instrumentos, os gestos repetidos, o respeito silencioso dos adultos. Não é uma festa que pede entusiasmo imediato — é uma festa que ensina a escutar.

Acompanhar um trecho já basta. Às vezes, a melhor parte é o depois: a pergunta que surge no caminho, a tentativa de reproduzir o som em casa.

Carnaval: onde o corpo ainda cabe na rua

Onde: Belo Horizonte, Olinda, São Paulo (blocos de bairro)
Quando: fevereiro
Onde ficar: bairros próximos aos blocos diurnos, evitando deslocamentos longos

O Carnaval pode ser caótico, mas também pode ser generoso. Em Belo Horizonte, Olinda ou mesmo em São Paulo, blocos diurnos e de bairro criam uma outra escala de festa.

Fantasia simples, música conhecida, corpos dançando sem pressa. Chegar cedo, sair cedo. Não disputar espaço. Deixar que a criança dance quando quiser — ou só observe.

Para ela, o carnaval não é agenda. É liberdade momentânea.

São João: bandeiras e o cheiro da comida

Onde: interior de São Paulo e Minas Gerais; cidades do Nordeste fora dos grandes shows
Quando: junho e julho
Onde ficar: casas de temporada ou pousadas familiares

As festas juninas do interior — especialmente fora dos grandes palcos — seguem sendo alguns dos espaços mais acolhedores para crianças. Tem fogueira, comida feita ali, música repetida, brincadeiras que não exigem habilidade especial.

É uma festa compreensível. A criança entende o que está acontecendo porque o ritmo é coletivo. E porque ninguém está com pressa.

Congadas e Reinado: tambores que ensinam sem explicar

Onde: Minas Gerais e interior de São Paulo (ex.: Ouro Preto, Uberlândia, Contagem)
Quando: datas variáveis ao longo do ano (geralmente entre maio e setembro)
Onde ficar: centro histórico ou bairros próximos aos cortejos

Em Minas Gerais, as Congadas e festas de Reinado ocupam as ruas com cortejos, roupas vibrantes e tambores que ecoam longe. Crianças costumam ficar hipnotizadas pelo som, pelas cores, pela força do grupo caminhando junto.

Não é preciso acompanhar tudo. Escolher um ponto, observar, sentir o ritmo no corpo já cria memória suficiente. O entendimento vem depois — ou nem vem, e tudo bem.

Círio de Nazaré: Belém em estado de ritual

Onde: Belém (PA)
Quando: outubro
Onde ficar: bairros centrais, com fácil acesso às áreas culturais e exposições paralelas

O Círio de Nazaré não é uma festa para “viver inteira” com crianças pequenas. Mas Belém, nos dias que o antecedem, se transforma. Barcos decorados, flores, velas, ruas alteradas.

Ver o Círio de longe, observar a cidade em estado de ritual, conversar sobre o que está acontecendo — sem ir para a corda, sem enfrentar a multidão — pode ser uma experiência poderosa de coletividade.

Às vezes, a margem ensina mais do que o centro.

O que fica depois

As festas não terminam quando acabam. Elas voltam no som que a criança tenta imitar, no desenho feito dias depois, na fantasia improvisada em casa.

Viajar pelo Brasil através das festas populares não é sobre “apresentar cultura”. É sobre conviver com ela. Deixar que a criança perceba que o Brasil não é apenas um lugar — é um acontecimento contínuo, feito de gente, ritmo, repetição e encontro.

E talvez seja isso que a infância entende antes da gente.