No-fly: o movimento das pessoas que não voam mais

Você já parou de usar canudinho? E de comer carne? Virou vegan? Pois é, a gente se esforça cada dia mais para reduzir as ações que influenciam no aquecimento global, mas nunca é suficiente. Agora você vai ter que parar de voar. É o que prega o movimento no-fly, o “veganismo” das viagens. Encara essa?

Cálculos do IPCC mostram que a aviação responde sozinha por 2% de toda a emissão de CO2 mundial. É coisa para caramba. Um único passageiro, viajando de São Paulo para Nova York, responde por mais de 1,3 tonelada de CO2 liberado na atmosfera. A mesma distância com o trem libera apenas 107kg. E para piorar, na queima do combustível os aviões ainda liberam vapor de água e óxido nitroso, que também causam o efeito estufa.

Companhias aéreas começaram a oferecer calculadoras para que os passageiros pudessem calcular (e pagar pela) emissão de carbono de seus vôos, mas estima-se que só 1% dos mais de 4 bilhões de passageiros anuais esteja realmente disposto a fazer o investimento. A União Europeia adotou taxas para voos sobre o território europeu. Mas nada disso consegue frear o crescimento nas emissões de aviões, que podem responder por 16% do total em 2050.

movimento no-fly, viagem de trem
Mapa do tráfego aéreo mundial em 2009. Imagina hoje! – Fonte: Creative Commons

Com esses números assustadores, surgiu um grupo de pessoas que defende que você deva evitar ao máximo voar. A palavra sueca Flygskam, ou ‘vergonha de voar’, dá o tom de iniciativas como o ‘No-fly 2019‘, criado por duas mães, que estimula pessoas a passar o ano sem voar. Elas esperam saltar de 15 mil assinaturas ano passado para 100 mil neste. A ativista adolescente Greta Thunberg não pega um avião desde 2015. E o líder do partido verde Siân Berry sugeriu um imposto extra para as pessoas que pegarem mais do que um vôo por ano. Essas iniciativas têm dado resultado na Suécia, onde o número de passageiros caiu consideravelmente em 2018.

O movimento no-fly tem crescido na Europa nos últimos anos, em grande parte porque o continente tem uma grande rede de ferrovias, que oferecem uma ótima alternativa para os aviões. A adesão ao movimento requer uma grande adaptação ao jeito de viajar. Passagens de trem são mais caras, os trajetos estão mais sujeitos a atrasos e cancelamentos, e o itinerário demora muito mais tempo. Mas muita gente afirma que esses ajustes trazem benefícios também. O percurso passa a fazer parte da viagem, o que traz maior conexão com o lugar. As limitações de distância estimulam a valorização do seu entorno como destino. E outros meios de transporte podem ser ainda mais interessantes, como barcos ou bicicletas.

Na França, deputados tem uma proposta ousada para reduzir o número de vôos desnecessários: simplesmente cancelar todos os vôos nacionais que podem ser feitos de outra forma mais ecológica, sem causar prejuízos de tempo para os passageiros. Assim: pega-se o tempo que se leva para ir do centro da cidade até o aeroporto, o tempo de check-in, controle de segurança e espera até o embarque, a própria duração do vôo, o tempo para se desembarcar e resgatar a bagagem, e o trajeto até o centro da cidade do destino. Se a duração de toda essa viagem for igual ou menor que a necessária para se fazer o mesmo trajeto de trem, esse vôo não deveria existir. Convenhamos, ir para o aeroporto é chato para burro, então eu acho essa proposta bem interessante.

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Do avião você não vê isso – Foto de Gabriela Palai | Pexels

Claro, nós aqui na América do Sul ficamos restritos em termos de alternativas, principalmente no Brasil, onde as ferrovias são limitadíssimas. Países como a Argentina e o Peru ainda mantém uma boa malha de trens de passageiro em funcionamento há décadas, e andam investindo em novas rotas. O Tren de La Quebrada, que inaugura o primeiro trecho em agosto, deve ligar Jujuy, na Argentina, a Machu Picchu no Peru, passando pela Bolívia, com motor movido 100% a energia solar. O próprio Peru já percebeu o fascínio que viagens de trem tem sobre os turistas, e investe inclusive em linhas de alto luxo.

Mas não é o caso do Brasil, onde as rotas ferroviárias turísitcas ainda são parcas. Sorte que aos poucos estamos olhando com carinho para nossos trens e vamos aos poucos recuperando a nossa malha. Até o trem que liga São Paulo a Santos talvez volte a funcionar em breve. Enfim… quem não tem cão, caça com gato. Se por um lado temos um problema na hora de substituir os aviões na hora de programar uma viagem, o que não falta no nosso país-zão é lugar lindo para visitar, mesmo que seja de carro ou ônibus. Será que não vale a pena trocar, pelo menos uma vez, umas férias em Berlim por uma bela roadtrip na nossa pátria?

Tem gente que adotou o estilo de vida do movimento no-fly com tudo. Mas por motivos óbvios, tem muita gente que não vai conseguir ser tão ortodoxo. Se esse é o teu caso, te dou uma dica. Existe uma série de pequenas atitudes que você pode tomar para diminuir a sua pegada de carbono, a começar pela tua mala. Ajuda muito se cada um fizer um pouco. Até porque é impossível imaginar o mundo atual sem aviões no céu. Quer dizer, eu já vivi isso por alguns dias, e adianto: não vai dar certo.

*Foto do destaque: Pexels

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