Os clássicos da cena alternativa de SP que deixaram saudade

Em menos de um mês, a cena alternativa de São Paulo levou dois revezes duros. No fim de junho, os sócios da Funhouse anunciaram pelo Facebook da casa o fim das atividades, e em seguida o calendário com as últimas festas (ainda dá para curtir até o fim de julho). A casinha da Bela Cintra era, desde 2002, um reduto indie que viu o nascimento, a ascensão e queda do Baixo Augusta, e que, reza a lenda, ajudou muita gente a transar.

O inferninho da Funhouse - foto: divulgação
O inferninho da Funhouse – foto: divulgação

Nesse fim de semana veio o golpe de misericórdia. A prefeitura de São Paulo, em uma investida um tanto suspeita, mandou lacrar o sobradinho do número 916 da Rua Frei Caneca, alegando problemas de acústica. A Lôca, que funcionou no mesmo lugar por quase 23 anos, mesmo tendo outros tantos problemas de salubridade e segurança, nunca teve problemas. Agora ela entra para o rol de clássicos do passado, de uma hora para a outra, deixando um legado de festas, bafos e ativismo.
André Pomba tocando para a pista lotada d'A Loca
André Pomba tocando para a pista lotada d’A Loca

C’est la vie! – diz o ditado. As coisas vem e vão, e São Paulo não é uma cidadezinha qualquer para se abater. Como sempre, grandes casas e festas acabam, e atrás delas sempre vem muita novidade. É justamente esse dinamismo que faz da Pauliceia um dos lugares mais fervidos do Hemisfério Sul, quiçá do mundo todo. Pensando nisso, eu que já gastei muita sola de sapato na pista pela vida, listei alguns dos lugares que mais fizeram a história da cena alternativa da cidade. Assim a gente percebe como tanta coisa bacana acabou, com outras tantas vindo em seguida, e o luto passa mais rápido, né?

Aeroanta

O palco do Aeroanta já recebu até o Buzzcocks
O palco do Aeroanta já recebeu até o Buzzcocks

O Largo da Batata já teve (muitos) dias não tão gloriosos como hoje. Desde os anos 80, aquela área esteve sempre massacrada por obras e ônibus, numa poluição horrorosa e uma boa dose de perigo. Só se aventuravam por ali à noite os frequentadores dos muitos rastapés, e os roqueiros de todas as tribos que queriam ver seus ídolos bem de perto. Trazer bandas gringas era missão quase impossível em tempos de cruzeiros e cruzados, então eram os artistas nacionais que mais agitavam aquele palco. Cazuza, Cássia Eller, Chico Science, Tim Maia, Ed Motta, Raimundos, The Falla, Fellini, Mercenárias , Garage Fuzz e Ira! são alguns deles. Diz que era o clube predileto do Nick Cave em São Paulo, que foi visto no meio da platéia. O auge da casa foi nos anos 90, chegando até a ter filiais no Paraná. Mas acabou engolido pela obra de expansão da Av. Faria Lima em 1996. Hoje o endereço mudou, mas a casa se manteve, e virou o bar Z Carniceria nas mãos do Facundo Guerra. Depois do Aeroanta, as casas de show de pequeno porte que apareceram foram muitas, como o Studio SP, o CB e Cine Joia, o único que ainda existe.

CB Bar

Os flyers do CB eram verdadeiras obras de arte
Os flyers do CB eram verdadeiras obras de arte

Falando nele, não daria para deixar de fora um dos melhores bares de rock dos anos 2000, em plena efervescência do indie. O visual Ramones voltava com tudo, e as lojas da Galeria do Rock estavam com falta de All Star por conta do frequentadores do CB. Foi também quando surgiu o verbo ‘atacar de DJ’, já que todo mundo com um gravador de CDs e uma boa playlist podia virar DJ na festa dos amigos. Sem técnica nenhuma, mas a diversão era garantida. Fora que a balada virou um dos melhores lugares para saber quais eram as novidades musicais da semana nos sites de download como Hype Machine. Eles também foram pioneiros em desbravar uma área da cidade ainda pouco explorada, perto da linha do trem entre os Campos Elíseos e a Barra Funda. Foi nessa época que pipocaram os bares de rock pela cidade, como Milo Garage, Astronete, Sarajevo e Berlin.

Massivo

A famosa gaiola do Massivo, que tem muita história para contar - foto: Instagram -clubbers_anos90
A famosa gaiola do Massivo, que tem muita história para contar – foto: Instagram – @clubbers_anos90

Redutos gays sempre existiram (desde a Roma Antiga) em São Paulo, mas ficavam concentrados em guetos, como os arredores do Arouche. O Massivo foi a primeira casa abertamente GLS – era assim ainda a sigla – no meio de um bairro ‘careta’, os Jardins. As festas eram sempre embaladas pelo dono e DJ Mario Borges, que era como um imperador da pista por ali. As histórias e boatos do que acontecia lá dentro eram tantas, que o Massivo logo atraiu artistas, celebridades, héteros cool e muitos curiosos. Talvez tenha sido um dos primeiros clubes a misturar de tudo um pouco, sem preconceitos. A fama acabou por trazer muitas filas para a Alameda Jaú, e ainda criou um reduto gay-moderninho que fechava a Rua da Consolação e as transversais. Naquele quadrilátero surgiram o Ultralounge, a SoGo, o Allegro, o Atari, o Pitomba e o Director’s Gourmet, o mais resistente e outra grande perda recente da balada paulistana. Mais de uma década depois, os gays abandonaram a noite dos Jardins e o bairro encaretou de novo.

Hell’s Club

Foto da Claudia Guimarães para o post da Camila Yahn sobre o Hell's Club
Foto da Claudia Guimarães para o post da Camila Yahn sobre o Hell’s Club

Não era propriamente um lugar, mas uma festa que invadia o Columbia quando a playboyzada cansava e ia para casa, lá pelas 4h da manhã de sábado. O Hell’s Club foi um dos primeiros afters da cidade, e foi a eclosão de um mundo clubber. Quem viveu essa época, com certeza, tem alguma foto estranha com cabelo colorido, roupas de plástico e alguns piercings espalhados pelo corpo. O Pil Marques trouxe a ideia da festa da Europa, e foi lá que ficaram conhecidos alguns dos maiores DJs brasileiros, como Mau Mau, Renato Cohen, Renato Lopes, Camilo Rocha e Marky. Foi também a porta de entrada para DJs gringos como Laurent Garnier. O techno acabava de aterrissar no Brasil, e ainda era coisa de alien ou de drogados psicodélicos. A cena clubber cresceu exponencialmente, e logo vieram as casas dedicadas à música eletrônica, como a Base, o Lov.e, a U Turn, e as muitas raves. O Hell’s Club ainda teve uma segunda temporada já nos anos 2000 no finado Vegas, com outra pegada, mas a mesma animação. E os afters vieram com tudo, tornando São Paulo uma cidade realmente 24 horas.

Vegas

O balcão em S e a escadinha para a pista de baixo do Vegas - foto: Ronaldo Franco/Divulgação.
O balcão em S e a escadinha para a pista de baixo do Vegas – foto: Ronaldo Franco/Divulgação.

Acho que ninguém sabia direito o que ia acontecer quando o Facundo alugou um galpão esquecido no meio dos puteiros da Rua Augusta, e resolveu colocar lá um clube que chique no meio da boca do lixo. Mas foi uma história que deu tão certo, que acabou engolida pelo próprio sucesso. O Vegas conseguia juntar gente de todas as tribos nas noites mais variadas possíveis. Tinha roqueiro, indie, rockabilly, bicha, playboy, raver, puta, e uns velhinhos que batiam cartão na pista. Foi ali, naquele cassino colorido, que surgiu o Baixo Augusta como instituição, que revolucionou a noite paulistana dos anos 2000. Aquele estilo de casa, que misturava todo mundo, com programação variada, e com decoração de primeira, virou a regra, e logo vieram o Glória, o Secreto, a Clash, a Hot Hot, o Lions, e outros. Aquela parte do Centro da Augusta não seria o que é se não fosse o Vegas. Tanto que a área, que estava degradada e barata, acabou ficando cara demais para o clube, que fechou em 2012.
Claro que esses são só alguns dos lugares que marcaram época, como tantos outros. Se você tem algum lugar do coração que não falei aqui, conta nos comentários do que você tem saudade.
*Foto do destaque: Funhouse por Marcos Bacon