Surpreenda-se com o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio

O Rio de Janeiro é uma cidade que não cansa de nos surpreender e isso já não deve ser novidade para mais ninguém. Mas algumas vezes descobrimos esses lugares que estavam sempre ali e ficamos nos perguntando: como é que eu nunca vim aqui antes?

Assim é o Museu de Imagens do Inconsciente, em Engenho de Dentro. O bairro fica meio fora do eixo turístico da cidade, mas a experiência e o aprendizado são bastante compensadores.

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Além das obras expostas, a parte mais fantástica do Museu talvez seja a história da sua constituição e o pensamento vanguardista e rebelde de sua fundadora, a psiquiatra brasileira Nise da Silveira. Nise é uma dessas figuras históricas que merece todo o nosso respeito pelo seu trabalho e que nos enche de orgulho de sermos brasileiros.

Revolucionária, foi responsável por introduzir no tratamento psiquiátrico do país novas concepções em voga na Europa e trabalhadas principalmente por Jung, de quem era admiradora e com quem se correspondia por cartas, relatando seus aprendizados. Por meio da arte e do amor, fez com que pacientes psiquiátricos deixassem de ser isolados e passassem a ser compreendidos de forma mais humana e eficaz.

A ARTE COMO MEIO DE TRATAMENTO

Alagoana, Nise da Silveira começou sua carreira médica na Faculdade de Medicina da Bahia e se mudou para o Rio de Janeiro dos anos 1920 para fazer residência no Hospital da Praia Vermelha. Durante a ditadura do Estado Novo, Nise foi denunciada e presa, acusada de comunista, por possuir livros proibidos pelo regime.

Ao voltar para o serviço de saúde, a Dra. Nise traz para o tratamento psiquiátrico nacional uma nova proposta. O isolamento dos pacientes e os métodos cruéis de tratamento, como lobotomia e eletrochoque, foram substituídos por uma terapia de estímulo à arte e ao convívio social. A expressão artística passou a ser usada como meio para entender o que se passava no subconsciente das pessoas em tratamento.

Aliás, dentre as mudanças mais emblemáticas promovidas pela Dra. Nise, os pacientes passaram a ser chamados de ‘clientes’, pois sua ambição era garantir que eles jamais se sentissem excluídos da sociedade. E o muro alto de tijolos, que cercava e isolava a instituição psiquiátrica e que hoje abriga o museu, foi substituído por um gradeado, permitindo a troca visual do interior com o exterior do prédio. Essa arquitetura de tratamento encontra-se lá até hoje.

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O muro e a sensação de isolamento expressos nas obras. Esq.: Heitor Rico; Dir.: Norma Nascimento (1978)

O trabalho desenvolvido pela Dra. Nise mostrou eficácia rapidamente, e a arte mostrou-se de grande valor no tratamento dos pacientes, proporcionando, além de tudo, mais autoestima para as pessoas em acompanhamento.

Em 1942, Dra. Nise fundou o ateliê para estimular a produção de obras e, com o expressivo volume de trabalho, em 1952, o Museu é inaugurado e aberto ao público, promovendo ainda mais a integração com a sociedade.

Segundo a proposta, a produção das obras é feita de forma completamente espontânea. A única tarefa que os artistas possuem é se expressarem como bem quiserem. Praticamente todos não possuem conhecimento técnico de arte e isso é percebido na pureza e originalidade das obras.

O MUSEU

As mandalas chamam a atenção do visitante. Foram objeto de debate entre a Dra. Nise e Jung. Na entrada do Museu, estão expostas as cartas trocadas pelos dois mestres discutindo o significado dessas figuras e os seus diagnósticos.

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Correspondência entre Nise de Silveira e Carl Jung marca a introdução da linha Jungiana na psicologia nacional.

O Museu é muito bem conservado e organizado, e as obras estão expostas sob o trabalho cuidadoso do time de curadoria. A visita guiada pelo museu me ajudou a entender como o perfil psicológico dos artistas influencia e é expressado nas obras.

Os trabalhos estão divididos em dois momentos: Artistas Históricos e Artistas Contemporâneos. Em Artistas Históricos, estão as obras antigas, muitas delas ainda contemporâneas da Dra. Nise. Algumas datam ainda da época em que o muro cercava a instituição e mostram claramente o impacto que o isolamento provocava: tristeza, pesar, solidão.

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Esq.: Fernando Diniz (1957); Centro: Fernando Diniz (1953); Dir.: Fernando Diniz (1954)

No andar térreo, vê-se uma série de quadros que mostram claramente esses sentimentos. Dentre os Artistas Históricos, muitos alcançaram sucesso no mundo artístico e tiveram sua importância elevada para além do mundo da psiquiatria. Este é o caso de artistas como Emygdio de Barros, Heitor Rico e Fernando Diniz.

Desde meados dos anos 40 até meados dos anos 50, os artistas do ateliê realizaram importantes exposições no Brasil e no exterior. Em 1947, a exposição ‘9 Artistas do Engenho de Dentro’ foi organizada no MAM de SP. Em 1950, também foram mostrados em Paris e, em 1955, em Neuchâtel.

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Esq.: Fernando Diniz (1956); Dir.: Emygdio de Barros (1968)

Em Artistas Contemporâneos, estão as obras de artistas ainda vivos e atualmente em tratamento na instituição. Nesse espaço, é possível ver claramente o caráter espontâneo das obras. Por se tratar de um acervo em constante crescimento, os estilos pessoais dos artistas estão em desenvolvimento, permitindo que o  visitante quase consiga entrar no pensamento do artista. Essa proposta está no DNA do Museu, que, desde o princípio, se propôs a ser um ‘Museu Vivo’.

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Renoir Silva (esq: 2014; dir: 2015)

Pelo caráter espontâneo da construção das obras, o Museu não possui um estilo definido. Por isso, a surpresa e a originalidade são o ponto chave dessa segunda parte do acervo. Viajando pelos mais diversos estilos, há obras impressionistas, expressionistas, mandalas, desenhos, experimentação…

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Esq: Alberto Almeida (2013); Dir: Renata da Silva

Como a pintura faz parte do tratamento psiquiátrico dos artistas, as obras finalizadas são analisadas e interpretadas por uma equipe de psiquiatras, para, em seguida, serem estudadas pelos curadores, que, com a permissão da equipe médica e do próprio artista, são integradas ao acervo.

A visita guiada oferecida gratuitamente e agendada por e-mail me ajudou a entender como a biografia de cada artista é um componente importante na construção de uma obra. Mais do que os quadros, as biografias dos artistas são personagens importantes na linda história que o MII se propõe a contar.

O resultado do tratamento psiquiátrico por meio da arte desenvolvido nos ateliês oferece ao visitante uma leitura diferenciada do interior humano. A função do MII para a sociedade é muito maior do que a de dar resultado em tratamentos psicológicos. Ele ajuda a combater o estigma enfrentado pelas pessoas sob tratamento.

Além do Museu, na mesma localidade, estão outros pontos de criação artística. O Ponto de Cultura produz fantasias, alegorias e adereços para o bloco de carnaval Loucura Suburbana, que une as pessoas em tratamento com a comunidade em um belíssimo desfile toda quinta-feira de carnaval.

O Museu de Imagens do Inconsciente fica dentro do Instituto Municipal Nise da Silveira, na rua Ramiro Magalhães, 521, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro (21) 3111-7471. O local é facilmente acessível por transporte público. A estação de trem do Engenho de Dentro é a mais próxima da instituição. A entrada é gratuita, porém fechada nos fins de semana.

*O autor visitou o Museu de Imagens do Inconsciente em Novembro/2015, e as informações contidas neste texto foram colhidas junto à equipe de museologia responsável pelo acervo e pela história da instituição assim como da vida de Nise da Silveira. As fotos desta publicação foram feitas pelo autor.