Ecdemomania: Sintomas de abstinência de um viciado em viagem

Você acorda com a parede bem do lado da cama: o quarto encolheu uns dois metros.  A temperatura de ontem, hoje incomoda.  O vizinho do 112 faz o mesmo cumprimento sem esforço para reconhecer sua presença no elevador. Outro dia igual, mas diferente.

Garganta seca. Sensação de meia Kendell comprimindo o peito. Sua mão vai direto pra gaveta da sala. A angústia dá uma aliviada quando você dá uma bela fungada no seu passaporte: cheiro de liberdade. Misturado com uma leve fragrância de calça jeans há uma semana sem lavar.

Percebe a abstinência de natureza longitudinolatitudinométrica. Diz que o vício tem nome: ecdemomania.

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E como qualquer abstinência de vício que se preza, quando você não tem “da boa”, começa a cheirar removedor de esmalte.

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Nesse vício, também. Seus dedos trêmulos de craqueiro do centro buscam algum conforto clicando compulsivamente nessas promoções de R$ 1650 para Cingapura pela Ethiad. “Tá ótimo o preço!”

Lê com empolgação. Não que você vá ter tempo nos próximos seis meses. Muito menos, do dia 19 a 28 de agosto, num vôo noturno, com stop-over em Abu Dhabi.

E visita um restaurante africano no centrão, na esperança de comer algo bem sujo e que você não sabe pronunciar o nome. Daí, faz planos com os amigos para o Reveillón. Cada semana mudam o destino: Moçambique, Ilha de Páscoa, Tailândia.

É como fumar sem tragar. Não funciona.

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Vício que preza se cura com terapia de choque. Abstinência total.

“Só por hoje, não vou ver quantas milhas tenho no cartão de crédito”.

Seja forte.

Desfaça, conformado, aquela nécessaire que já fica toda montada, na expectativa de um convite de última hora para um rolezinho nas Cayman.

Aliás, melhor desfazer logo a amizade com esses colegas junkies, que ficam atiçando a recaída mandando guias de road trip na Islândia. Rever as amizades faz parte dos 12 passos.

Evitar também o Rodoanel e a Bandeirantes, para resistir ao ímpeto de se lançar numa caçamba qualquer, que vá além daquela placa do ‘trópico de capricórnio passa por aqui”.

Alcoólatra não vai em bar.

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Uma hora, o vício passa. A febre abaixa. E começa a visitar o mesmo restaurante do seu bairro. E pedir o mesmo mesmo bife à milanesa.

Com esforço, passa sim – estudos indicam. Mas é só teoria. Porque, esse vício, ninguém tentou largar até o momento.

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